domingo, 27 de março de 2011

DEMANDA POÉTICA AO INTERIOR DO SER

Nesta demanda poética que nos propomos encetar, se a ambição é grande, o percurso ainda vai ser maior e a queda será incomensurável. Na sensibilidade, e no pensamento, estabelecemos um deslocamento interno, com o fito de chegarmos ao mais fundo de nós. Numa viagem ao interior do próprio ser, criando uma geografia desse cosmos com arquipélagos e mares internos, onde navegaremos para alcançarmos a nossa essência. Tal viagem ao interior é uma Odisseia, onde nos perdemos no mar, para ir ao encontro do mais profundo de nós. Dai perguntarmos, quanto é necessário sofrer para regressar a si? Quem nos impede? Quem nos impele?
Vamos navegar no oceano imaginário da literatura, onde apenas existe um erro fatal: não quer partir, não querendo mudar. O erro fatal é parar, evitando a constante procura. Devemos colocar-nos a caminho, seremos apenas nós mesmos na medida em que estejamos em busca. E o poeta não quer apenas viajar no mundo das ideias, elegendo antes inventariar na linguagem, criando clareiras e construindo com sensações as metáforas no percurso do próprio ser. Para tal inicia a aventura marítima onde todas as formas são viáveis, em fluxo e refluxo que revelam os elementos identitários dos símbolos, como a saudade. Onde estamos longe à procura de quem ansiamos ter por perto. Tal é o motor do retorno de Ulisses, mas também de todos aqueles que se perdem e naufragam pelo mar adentro da poesia...
Para mais a navegação poética não se confina à palavra, nem à emoção, nem ao sujeito. Ela é o reconhecimento cosmológico dos espaços internos mais profundos e dos espaços externos mais afastados. Exigindo uma geografia da alma, que nos guie no sentido panteísta da nossa cultura poética, encontrando os passos e as pistas para o retorno à casa do ser. Tais explorações cosmológicas não envolvem apenas a superfície, mas a escalada aos cumes e o mergulho no abismo da alma humana. Explorando na escola do fluxo dos sentidos o reino da imaginação, nadando muito além da perdição. No fundo, é necessários perdermo-nos para encontrarmos o outro daquilo que somos: o desconhecido, o nunca visto, o nunca entendido que nos arrasta para os profundos mares de onde se levantam as neblinas do mistério. A tarefa é navegar, sem orientação à vista, numa busca da palavra filosofal que reflicta a demanda mística da pedra de tal quilate. Só então o poeta diz, e garante, a fala do ser, pois previamente, dominou a arte do silêncio e no vazio escutou a ressonância da intuição criadora.
Prevendo o que se transformará, abrindo portas ao futuro do homem, e aos aspectos que o projectam em novas aventura através dos oceanos da arte. Mas, ser poeta em português, implica atender ao oceano da língua e da cultura, com sinais a demarcarem a passagens para outras margens. É a espiritualidade elevada ao interior da paisagem panteísta, tão arreigada na cultura lusa. Será alcançada, enfim, a saudosa Pátria espiritual da Boa Aventurança, saudoso das terras que abandona para regressar. O poeta avalia com graça tal coração repartido, onde é preciso abandonar para alcançar, e partir para longe para chegar ao mais perto de si.
Tal dialéctica poética é o guia do viajante, estabelecendo as regras e os procedimentos para o náufrago. E assim pode escolher o que deve abandonar. A amada para salvar o poema, ou o poema para salvar a amada? Escolhas irresolúveis, pois no fim naufragaremos definitivamente. E, nada levaremos, além da beleza criada, e das experiências que nos desenham o mapa do labirinto interno do sentido. Como refere Teixeira de Pascoais: “O mistério é a própria acção, o drama íntimo da nossa poesia, porque nela a sombra das Coisas e a luz do nosso espírito estão em perpétua luta criadora” . E também é dito por nós, em O Sereno Fluir das Horas, “Procurem-me nos enigmas / responderei como esfinge” . Para logo apresentarmos o nauta “(Des)Norteado, numa peregrinação em metamorfose interior, em demanda da profunda consciência do ego. É uma viagem paradoxal no desassossego num fluir suave que adivinha a agitação do tempo. Nessa procura, o obreiro das palavras constrói o barco cósmico, através da surpreendente metamorfose do verso numa (des)contrução do significativo, por onde se revela a passagem para o nebuloso sentido da existência na demanda inovadora do acto criador.
Tal arte de marear tudo abandona no instante em que zarpamos para outra demanda. Só assim o essencial irá connosco, iluminando o labirinto interno, pois apenas é necessária uma estrela polar que dê o Norte à bússola . É uma poética para náufragos. E assim, nada fica perdido quando tivermos que mergulhar bem fundo para encontrarmos a pérola mais preciosa que é a nossa essência. Nesse magnífico resíduo interno está inscrito o mapa metafísico, que encontraremos apenas se nos colocarmos em risco.
Para o poeta da existência tudo é elucidado, e tudo é alucinado – indo para lá do cabo do mundo encontrar a circunferência da alma, que lhe dirá: tudo é idêntico e todas as viagens levam ao mesmo. Tal apenas se pode concluir depois de encontrarmos as diferentes personagens que faltavam no diálogo que emerge do mar da alma. Mas nada é dado, tudo é conquistado. Eis a identidade conquistada pelo marinheiro do infortúnio, que no fim sempre há-de encontrar as ilhas Afortunadas.
Se a demanda chegou ao fim, então escutemos o silêncio, onde o ser poético nos falará ao ouvido…
Carlos Alfredo Couto Amaral