quarta-feira, 1 de agosto de 2018

O pensamento filosófico no perfil do aluno



Na ação de formação, monitorizada por Luísa Borges na escola Secundária António Damásio, refletimos sobre o perfil do aluno à saída do secundário. Investigamos o fundamento da identidade do povo português, enraizada nos valores culturais e literários, que ascende à remota cultura celtibérica. Destacamos, a noção de panteísmo, a par dos coevos mitos da mãe terra, o jogo da alteridade nas cantigas de amigo, a Menina e Moça de Bernardim Ribeiro, a lírica de Camões. Teixeira de Pascoais radica-se neste húmus cultural, conforme refere: “É preciso educar este povo dentro da sua personalidade” (A Saudade e o Saudosismo, Circulo de Leitores, 1990, p. 37). Também os nossos alunos devem ser educados dentro destas referências culturais. Em época de crise de valores, devem ser orientados na pesquisa de crenças, que os enraízem dentro da nossa cultura secular: “Logo que a alma portuguesa se encontre a si própria, reaverá as antigas energias e realizará a sua civilização” (op. Cit. P. 43). Pascoais é, de certo modo, o mestre de Fernando Pessoa. Neste poeta encontramos o cultor da metamorfose do eu (nietzschiano), estabelecendo um toque de humanismo, onde o perfil do aluno se vincule a valores da criatividade e do respeito pelo outro, sendo a alternativa crítica ao niilismo: “Sê plural como o universo! E a sua vontade de poder manifestou-se na sua infinita criação de múltiplas personas e estilos”. Portanto, a construção da personalidade do aluno (perfil), encontra-se em aberto, expectante num horizonte de esperança.

Fernado Pessoa mostra a charneira, onde a transdisciplinaridade é evidente, sobretudo na relação da língua portuguesa com a filosofia: “A literatura, que é a arte casada com o pensamento, e a realização sem a mácula da realidade, parece-me ser o fim para que deveria tender todo o esforço humano, se fosse verdadeiramente humano” (Livro do Desassossego, Vol. II, Lisboa, Ática, p. 264). Face aos seres contemporâneos, é possível fazer um prognóstico do fundo que carateriza a época a partir das palavras do Livro do Desassossego: “somos niilistas “sem ilusões”, na medida em que estamos incapacitados de nos perspetivarmos no tempo, “Não tenho uma ideia de futuro (…) A energia para lutar nasceu morta connosco, porque nós nascemos sem o entusiasmo da luta” (op. Cit. Vol. I, p. 195). Este texto de Pessoa auxilia ao diagnóstico sobre as raízes da falta de entusiasmo nos mundos contemporâneos onde se alicerçam as dificuldades dos nossos alunos face às ideias.

Logo, torna-se imperante motivar para a leitura e para meditação (das ideias). Nesta formação sugeriram-se ainda técnicas de carater didático sobre a possível exploração da poesia. Por exemplo, escolher um poema de vulto como “O sino da minha aldeia” 1º Colocar os alunos a recitar versos em cânon, isto é sob a orientação do professor que vai dando a entrada de cada aluno, enquanto os anteriores continuam a ler o resto do poema. 2º Sondar as palavras-chaves, levando um aluno a registar no quadro, enquanto cada um propõe informação distinta. Previamente fazer um levantamento contextual de movimentos literários que estejam em causa, cruzando imagens com títulos e subtítulos e palavras-chave. O Café Filosófico veio nestas sequências de exercícios didáticos, onde se mobiliza o poder analítico de uma turma, estimulada por um facilitador.

 Refletindo sobre esta ação do perfil do aluno à saída do secundário intui um plano de transdisciplinaridade, onde Fernado Pessoa/Pascoais – a par também da minha poesia pessoal – permitam colocar a vertente poética ao serviço do pensamento filosófico. A poesia quando se socorre do recurso das figuras de estilo, aglutinadoras como a alegoria ou a fábula, devido às imagens que exibem, tornam-se num potencial recurso para a sua hipotética dramatização. No texto de Guerra Junqueiro O Melro, fábula na qual a ave mata os filhos para lhes resgatar a liberdade, serve o duplo propósito de ser uma estória passível de encenação, e ao mesmo tempo, poder ser dissecada ao serviço da filosofia, no capítulo do Livre arbítrio e o determinismo. Também o poema Passagem das Horas (Alvaro de Campos/Pessoa) poderá ser apresentado e encenado nos próximos anos letivos, no contexto das aulas. Possuem ambos forte carga dramática e filosófica, colocando o sinal da nossa modernidade em reflexão. Elementos que motivam os alunos na aventura da exploração das ideias.

A via dos mestres e dos discípulos traduz um vetor a transpor para a relação pedagógica. Tudo é possível dentro da influência ascendente, enquanto membro gregário exercemos influência sobre os outros. Nesta linha, Buber descodifica a RELAÇÃO legítima que estabelece a reciprocidade (mutualista) entre o EU e o TU, num processo ético de mútuo reconhecimento (superando o eu-isso). O filosofo identifica o ato de nos tornarmos pessoas neste envolvimento: “O homem torna-se EU no TU(BUBER, Eu e tu, Ed Paulistas, 2003, p.43), é nesta comunicação que o “Espírito é palavra” (op. Cit. P. 43).

As noções, os conceitos e as ideias têm sido com frequência considerados elementos básicos na construção do pensamento filosófico. Nietzsche alertou para o facto de a imagem, a metáfora e a analogia fazerem parte da génese do pensamento em geral e do filosófico em particular. Os pensamentos analógicos estão próximos da vida e ainda longe da abstração pura. Daí, defendermos nós, ser relevante analisar o papel e a função das metáforas, elemento tão estrutural ao pensamento poético, as quais têm retomado várias configurações ao longo da história do pensamento filosófico. Desde os filósofos pré-socráticos à atualidade, as metáforas têm estruturado o discurso racional. Exemplos: Heráclito: “Não mergulhamos duas vezes nas águas do mesmo rio”, a figura de estilo está no centro do pensamento da mudança. Platão criou alegorias como a da Caverna para através de belas imagens, ligadas numa narrativa, nos permitir alcançar pensamentos abstratos; Descartes alude com frequência à “Luz da razão”; Kant: “A consciência moral é o tribunal da razão”; Hobbes: “O homem é o lobo do próprio homem”; Nietzsche: “O homem é uma corda estendida entre o macaco e o sobre-homem”; Heidegger, “A linguagem é a clareira onde o ser se manifesta”; Jaspers: “Filosofar é estar a caminho”; Derrida: “O pensamento racional é uma metáfora branca”. Esta sinopse é curta face às inúmeras figuras de estilo, tais como a comparação e a metáfora, que têm desempenhado uma dimensão prévia ao conceito no pensamento ocidental. O papel da metáfora assume uma relevância extraordinária no pensamento de Derrida, em A Metáfora Branca traduz claramente a ideia da razão enquanto estruturante ao pensamento ocidental (do branco). Há que dar mais voz a outros raciocínios diferenciais e analógicos, mais representativos de toda a humanidade. Ou seja, é um imperativo relacionar o particular, cultura literária portuguesa, com a dimensão universal do ser humano, fundada na necessidade filosófica do desenvolvimento de um espírito cosmopolita nos nossos alunos.

Inspirado nas reflexões levantadas nesta formação, pretendo também colaborar com os colegas de português, no sentido de criarmos em conjunto ferramentas concetuais, metodológicas e práticas. Por exemplo, a formação de um clube de leitura na escola, aberto a toda a comunidade, onde sejam debatidas obras filosóficas e literárias. Na verdade, surge o desafio de se estabelecerem diversificados elos de conexão dialética entre os programas de filosofia e a disciplina de português.

À semelhança do conto de Sofia de Melo Breyner, a Viagem, (que também podemos examinar nas aulas de filosofia), o percurso vai-se alterando, e os viandantes perseguem desnorteados os sinais que marcaram o percurso, mas que desaparecem quando os procuram retomar. Portanto, a sabedoria reside em reconhecer que nada volta atrás, há que apreciar o momento como é, que o futuro também é incerto. Ou seja, podemos pela memória evocar o passado e reconsidera-lo, mas devemos estar abertos ao futuro. Pois se a raiz esta nas fontes coevas da poesia e da filosofia nacionais, não obstante, o futuro deve estar aberto a um cosmopolitismo, que nos mantenha em relação com os outros povos, nomeadamente os europeus, e da CPLP, pois apenas neste diálogo poderemos preparar os jovens para uma vida ativa, cultural e integradora.

Carlos Alfredo do Couto Amaral