sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Recensão do “Alpinista Descendente”, de Carlos Amaral – por Tatiana Santos




 Carlos Couto Amaral, poeta? Filósofo? Performer? O tempo e a leitura crítica das suas obras o dirão.
Cabe-me a mim apenas refletir acerca do seu mais recente "Alpinista Descendente", que veio renovar os meus velhos hábitos de leitura, nomeadamente de poesia.

  Após navegar no mar profundo de significados e sentidos que cada poema oferece, após saborear as intensas sensações e sentimentos que as diversas palavras despertam, descobri que a poesia não é um mero exercício linguístico nem somente a mais encantadora maneira de exprimir o que aparenta ser inexprimível. A poesia do "Alpinista Descendente" é uma harmoniosa tentativa de congelar o tempo, por uns instantes, e captar o verdadeiro valor da vida. Mas, o mais incrível prende-se com o facto de Carlos Amaral comunicar as suas profusas ideias e pensamentos por meio de breves e sublimes vocábulos, que ganham cor e vida quando agrupados em "deliciosas" e intrigantes composições poéticas.

  Ainda antes de ler a obra, mal desfolhei a desfolhei, fiquei completamente rendida à original forma e estrutura externa de todos os poemas. À primeira vista este estilo poético, se assim o posso designar, parece ser deveras enigmático. Não obstante, o vazio das páginas é preenchido pela riqueza singular de cada verso. Com efeito, apercebemo-nos que há uma combinação, diria eu, perfeita entre o conteúdo de cada poema e a sua forma, ou melhor, há um fio condutor que percorre todos os poemas e as suas componentes formais. As palavras transparecem a magia da escrita e revelam o que vai na alma de Carlos Amaral, é através delas que o poeta se consegue libertar daquilo que não poderia ser dito de outro modo e, quem sabe, é também recorrendo à poesia que o escritor consegue descobrir-se e reinventar-se a si próprio, no sentido em que nos dá a conhecer a sua posição perante a vida e tudo aquilo que o faz querer viver.

  Assim que me debrucei sobre o livro, encontrei desde logo uma outra característica que me atraiu imensamente: o seu título, que manifesta uma agradável e aliciante sensação. O "Alpinista Descendente", tal como evidenciou Carlos Amaral é uma autêntica metáfora da vida, encontrando-se associada à atividade do montanhismo. O Alpinista busca novos desafios, pretende superar-se a si mesmo, quer chegar mais longe, ou melhor dizendo, mais alto e é neste misto de emoções e objetivos que a sua existência se propicia. Mas, o Alpinista depara-se frequentemente com uma grande quantidade de obstáculos e infortúnios e, consequentemente, nem sempre é possível chegar ao topo da montanha. Há quedas, há medos, há humanidade neste ato que se traduz num modo de viver...E que viver!

 Inicialmente, o Alpinista decide começar a sua escalada e num ato de coragem abraça a sua vida às cordas que o auxiliarão durante a ascensão. Aquando da subida, o vento traz o "Receio", a "Vertigem", as maiores incertezas, mas os elementos naturais apaziguam a viagem e transmitem-lhe confiança. São inúmeras as manifestações naturais que o "Alpinista Descendente" nos apresenta. A Montanha, o Sol, a Neblina, a Chuva, o Arco-Íris, as Nuvens, as Rosas, o Mármore, a Maré, a Lua levam-nos para um mundo paralelo e distante.
No entanto, a ascensão não é uma constante, uma vez que ao dar um "Salto no Escuro", o Alpinista está sujeito à "Queda" e ao "Abismo". Por outro​ lado, outros contratempos vão emergindo. O "Fluxo da Neblina", "O Ouvido da Solidão", a "Melancolia" e o "Sono" são algumas das adversidades que conferem ainda mais valor ao esforço do Alpinista e à força interior que o move.

  Carregado de metáforas e figuras estilísticas que embelezam extraordinariamente este trabalho poético com um carácter filosófico e transcendental, o "Alpinista Descendente" simboliza o caminho do homem nesta realidade que delimita a sua existência. A cada página desabrocha uma nova etapa,  uma experiência diferente, uma luta distinta, uma conquista derradeira,  uma breve derrota, um ideal tremulante, uma metamorfose espiritual, enfim...um novo ser!

  Estando em terra firme, observando aquilo que é fisicamente paupável, o sujeito poético descreve as mais diversas sensações e vertentes da vida, bem como os altos e baixos pelos quais todos passamos, por meio da atividade de um alpinista, que tanto ascende como descende. Ao longo deste caminho, o leitor é capaz de visualizar e sentir verdadeiramente tudo aquilo que é deslindado e cantado pelo poeta, sim cantado, uma vez que tal como declarou Jorge Ferro Rosa, as palavras deste trabalho poético "sabem a música!", e que bela música!

  Por outro lado, é notória a forma como esta obra nos agarra e nos deixa a pensar e, quem sabe, a divagar. Isto deve-se não só à magnífica vivacidade e dinamismo, marcados pela imaginação dinâmica e fugaz e simultaneamente perene de certos elementos, assim como pelo emprego de termos que marcam o próprio sensorialismo da linguagem e de vários recursos expressivos, como também à articulação legítima entre a objetividade e a subjetividade. A objetividade encontra-se presente principalmente no rigor da pormenorização, enquanto que a subjetividade está intimamente relacionada com a expressão de emoções que o eu lírico pretende transmitir, ou metaforicamente dizendo, com a emanação de delírios, desejos e aromas que  embelezam ainda mais esta composição poética.

  A descrição e a criatividade foram das características que mais me impressionaram nesta extraordinária obra, até porque todos os poemas, para além de serem originais e repletos de significado, abrem a mente do leitor, levando-o ao delírio genuíno do conhecimento e da busca pela essência de cada um deles, "Delira/ a mente/ o poema/ a casa/ a cidade", já que o poeta quer "(...) comunicar/ mas é loucura". E sem dúvida que é uma grande e majestosa loucura ir à aventura e levar-nos com ele a "procurar/ nos recantos do bar/ as terras do sem fim".

  Pessoalmente, o poema que mais emoções estéticas me provocou foi a "Intuição Poética", que, após nos encher a alma e o coração, nos convida de imediato a prosseguir com a leitura da obra. Neste tomo de poesia, Carlos Amaral interpreta a atividade e a intuição poéticas de um modo insigne e prodigioso.  O poeta do "Alpinista Descendente" sem dúvida  que "é um fragmento das estrelas/ é a gota do mar/ é a palavra emocionada" e deixa-nos completamente emocionados com tanta pureza e autenticidade que pode ser comparada à beleza do céu estrelado ou ao profundo oceano no qual mergulhamos em sonhos.

 Bem, mas deixemo-nos de metáforas por agora. Depois de percorridas a serra e a montanha, o "Alpinista Descendente" reserva-nos uma chegada "ao fim do mundo em demanda do desejo/ (...) em busca do instinto à flor da pele" e posteriormente somos confrontados com os "Trilhos do Amor", associados a um requintado "banquete de emoções".
Por fim, no seu último poema, o poeta reforça a importância que atribui à chegada de quem "Parte/ na descoberta maior", pois só chega quem realmente parte, quem não está presente e cuja ausência torna presente as recordações e as esperanças pela nova chegada.

  E é assim que termina esta incrível obra de poesia que merece um grande reconhecimento a todos os níveis. Sendo eu uma aluna do extraordinário autor do "Alpinista Descendente" e tendo em consideração o facto de ser uma grande apreciadora de poesia, embora  seja bastante suspeita de certo modo, fica o convite feito para a leitura deste delicioso livro, que como diz o ditado, dá vontade de comer e chorar por mais. Mas talvez o poeta nos queira deliciar e surpreender novamente, isto é, para o nosso bem espero que o escritor se volte a inspirar e a escrever as suas magistrais ideias metafísicas e existencialistas, que contrastam o mundo sensível com o mundo inteligível.

  Resta ainda dar os meus sinceros parabéns a Carlos Amaral por este seu incrível livro "Alpinista Descendente", que deve ser indubitavelmente lido,  relido e bem guardado na consciência de quem o lê.

           Sobreda, 18 de Junho de 2017
                                     Tatiana Santos