Na
ação de formação, monitorizada por Luísa Borges na escola Secundária António Damásio,
refletimos sobre o perfil do aluno à saída do secundário. Investigamos o
fundamento da identidade do povo português, enraizada nos valores culturais e
literários, que ascende à remota cultura celtibérica. Destacamos, a noção de
panteísmo, a par dos coevos mitos da mãe
terra, o jogo da alteridade nas cantigas de amigo, a Menina e Moça de Bernardim Ribeiro, a lírica de Camões. Teixeira
de Pascoais radica-se neste húmus cultural, conforme refere: “É preciso educar este povo dentro da sua
personalidade” (A Saudade e o
Saudosismo, Circulo de Leitores, 1990, p. 37). Também os nossos
alunos devem ser educados dentro destas referências culturais. Em época de
crise de valores, devem ser orientados na pesquisa de crenças, que os enraízem
dentro da nossa cultura secular: “Logo
que a alma portuguesa se encontre a si própria, reaverá as antigas energias e
realizará a sua civilização” (op. Cit. P. 43). Pascoais é, de certo modo, o
mestre de Fernando Pessoa. Neste poeta encontramos o cultor da metamorfose do
eu (nietzschiano), estabelecendo um toque de humanismo, onde o perfil do aluno
se vincule a valores da criatividade e do respeito pelo outro, sendo a
alternativa crítica ao niilismo: “Sê
plural como o universo! E a sua vontade de poder manifestou-se na sua infinita
criação de múltiplas personas e estilos”. Portanto, a construção da
personalidade do aluno (perfil), encontra-se em aberto, expectante num
horizonte de esperança.
Fernado
Pessoa mostra a charneira, onde a transdisciplinaridade é evidente, sobretudo
na relação da língua portuguesa com a filosofia: “A literatura, que é a arte casada com o pensamento, e a realização sem
a mácula da realidade, parece-me ser o fim para que deveria tender todo o
esforço humano, se fosse verdadeiramente humano” (Livro do Desassossego, Vol. II, Lisboa, Ática, p. 264). Face aos
seres contemporâneos, é possível fazer um prognóstico do fundo que carateriza a
época a partir das palavras do Livro do
Desassossego: “somos niilistas “sem
ilusões”, na medida em que estamos incapacitados de nos perspetivarmos no
tempo, “Não tenho uma ideia de futuro (…)
A energia para lutar nasceu morta connosco, porque nós nascemos sem o
entusiasmo da luta” (op. Cit. Vol. I, p. 195). Este texto de Pessoa auxilia
ao diagnóstico sobre as raízes da falta de entusiasmo nos mundos contemporâneos
onde se alicerçam as dificuldades dos nossos alunos face às ideias.
Logo,
torna-se imperante motivar para a leitura e para meditação (das ideias). Nesta formação
sugeriram-se ainda técnicas de carater didático sobre a possível exploração da
poesia. Por exemplo, escolher um poema de vulto como “O sino da minha aldeia” 1º Colocar os alunos a recitar versos em cânon, isto é sob a orientação do
professor que vai dando a entrada de cada aluno, enquanto os anteriores continuam
a ler o resto do poema. 2º Sondar as palavras-chaves, levando um aluno a
registar no quadro, enquanto cada um propõe informação
distinta. Previamente fazer um levantamento contextual de movimentos literários
que estejam em causa, cruzando imagens com títulos e subtítulos e palavras-chave.
O Café Filosófico veio nestas sequências
de exercícios didáticos, onde se mobiliza o poder analítico de uma turma,
estimulada por um facilitador.
Refletindo sobre esta ação do perfil do aluno
à saída do secundário intui um plano de transdisciplinaridade, onde Fernado
Pessoa/Pascoais – a par também da minha poesia pessoal – permitam colocar a
vertente poética ao serviço do pensamento filosófico. A poesia quando se
socorre do recurso das figuras de estilo, aglutinadoras como a alegoria ou a
fábula, devido às imagens que exibem, tornam-se num potencial recurso para a sua
hipotética dramatização. No texto de Guerra Junqueiro O Melro, fábula na qual a ave mata os filhos para lhes resgatar a liberdade, serve o duplo
propósito de ser uma estória passível de encenação, e ao mesmo tempo, poder ser
dissecada ao serviço da filosofia, no capítulo do Livre arbítrio e o determinismo. Também o poema Passagem das Horas (Alvaro de Campos/Pessoa)
poderá ser apresentado e encenado nos próximos anos letivos, no contexto das
aulas. Possuem ambos forte carga dramática e filosófica, colocando o sinal da
nossa modernidade em reflexão. Elementos que motivam os alunos na aventura da
exploração das ideias.
A
via dos mestres e dos discípulos traduz um vetor a transpor para a relação
pedagógica. Tudo é possível dentro da influência ascendente, enquanto membro
gregário exercemos influência sobre os outros. Nesta linha, Buber descodifica a
RELAÇÃO legítima que estabelece a reciprocidade (mutualista) entre o EU e o TU,
num processo ético de mútuo reconhecimento (superando o eu-isso). O filosofo
identifica o ato de nos tornarmos pessoas neste envolvimento: “O homem torna-se EU no TU” (BUBER, Eu e tu, Ed Paulistas, 2003, p.43), é nesta comunicação
que o “Espírito é palavra” (op. Cit.
P. 43).
As
noções, os conceitos e as ideias têm sido com frequência considerados elementos
básicos na construção do pensamento filosófico. Nietzsche alertou para o facto
de a imagem, a metáfora e a analogia fazerem parte da génese do pensamento em
geral e do filosófico em particular. Os pensamentos analógicos estão próximos
da vida e ainda longe da abstração pura. Daí, defendermos nós, ser relevante analisar
o papel e a função das metáforas, elemento tão estrutural ao pensamento
poético, as quais têm retomado várias configurações ao longo da história do
pensamento filosófico. Desde os filósofos pré-socráticos à atualidade, as
metáforas têm estruturado o discurso racional. Exemplos: Heráclito: “Não mergulhamos duas vezes nas águas do
mesmo rio”, a figura de estilo está no centro do pensamento da mudança. Platão
criou alegorias como a da Caverna
para através de belas imagens, ligadas numa narrativa, nos permitir alcançar
pensamentos abstratos; Descartes alude com frequência à “Luz da razão”; Kant: “A
consciência moral é o tribunal da
razão”; Hobbes: “O homem é o lobo do próprio homem”; Nietzsche:
“O homem é uma corda estendida entre o macaco e o sobre-homem”; Heidegger, “A linguagem é a clareira onde o ser se manifesta”; Jaspers: “Filosofar é estar a caminho”; Derrida: “O
pensamento racional é uma metáfora
branca”. Esta sinopse é curta face às inúmeras figuras de estilo, tais
como a comparação e a metáfora, que têm desempenhado uma dimensão prévia ao
conceito no pensamento ocidental. O papel da metáfora assume uma relevância
extraordinária no pensamento de Derrida, em A
Metáfora Branca traduz claramente a ideia da razão enquanto estruturante ao pensamento
ocidental (do branco). Há que dar mais voz a outros raciocínios diferenciais
e analógicos, mais representativos de toda a humanidade. Ou seja, é um
imperativo relacionar o particular, cultura literária portuguesa, com a
dimensão universal do ser humano, fundada na necessidade filosófica do
desenvolvimento de um espírito cosmopolita nos nossos alunos.
Inspirado
nas reflexões levantadas nesta formação, pretendo também colaborar com os
colegas de português, no sentido de criarmos em conjunto ferramentas
concetuais, metodológicas e práticas. Por exemplo, a formação de um clube de leitura na escola, aberto a
toda a comunidade, onde sejam debatidas obras filosóficas e literárias. Na
verdade, surge o desafio de se estabelecerem diversificados elos de conexão dialética
entre os programas de filosofia e a disciplina de português.
À
semelhança do conto de Sofia de Melo Breyner, a Viagem, (que também podemos examinar nas aulas de filosofia), o
percurso vai-se alterando, e os viandantes perseguem desnorteados os sinais que
marcaram o percurso, mas que desaparecem quando os procuram retomar. Portanto,
a sabedoria reside em reconhecer que nada volta atrás, há que apreciar o
momento como é, que o futuro também é incerto. Ou seja, podemos pela memória
evocar o passado e reconsidera-lo, mas devemos estar abertos ao futuro. Pois se
a raiz esta nas fontes coevas da poesia e da filosofia nacionais, não obstante,
o futuro deve estar aberto a um cosmopolitismo, que nos mantenha em relação com
os outros povos, nomeadamente os europeus, e da CPLP, pois apenas neste diálogo
poderemos preparar os jovens para uma vida ativa, cultural e integradora.
Carlos
Alfredo do Couto Amaral