domingo, 20 de março de 2016

A propósito do dia da poesia




No Jardim da Parada em Lisboa, de 17 a 21 de março, vão desfilar os poetas em feira do livro. Louvado acontecimento! Mas uma pergunta não se cala: iremos ver a marcha dos poetas, será a arregimentação da poesia, ou o reconhecimento do velho lema de que “a palavra é uma arma”? A palavra poética ganha a soberania sob a tutela do marechal Fernando Pessoa, por mediação da sua “CASA”. Parabéns! Agora vem a diatribe, sem a qual nem a poesia existiria; pena é darem somente a casa aos poetas quando estão mortos, quando as evocações parecem necrologias. Livremo-nos dos necrófagos! Mas nem tanto, pois, antes poeta reconhecido mesmo pos mortis, do que eternamente ignorado. Pese embora o reconhecimento póstumo não ter matado a fome a Camões, nem a Bocage, que bem estenderam a mão à caridade… Logo, marchar, marchar ao Jardim da Parada!

quinta-feira, 17 de março de 2016

Prática filosófica do cuidado de si em tempo de crise

             

                “A filosofia não serve para nada, para nada mais do que aprender a viver”
Ortega y Gasset, Obras Completas.

                      “Eu pretendo uma nova ordem (…) de homens superiores, junto dos quais as consciências e os espíritos atormentados irão buscar conselho” 
                       Nietzsche, Vontade Poder, III volume, p. 108.

Pretendemos relacionar esta reflexão pessoal com os conhecimentos veiculados no Colóquio “Filosofia, Crise, e Consciência Social” 2016, de modo a os podermos operacionalizar na didática e na pedagogia filosófica. Centraremos a reflexão crítica na oficina orientada por Jorge H. Dias, Aconselhamento Filosófico e Felicidade; e recorreremos às apresentações da Filosofia das emoções (outra oficina); bem como às conferências acerca de Paulo Freire e a Praxis da liberdade; e Reconhecimento e alteridade.

Iniciamos com o pressuposto de que uma Crise apenas pode ser superada se existir uma consciência clara acerca da mesma, devendo-se estabelecer um diagnóstico dos problemas filosóficos, que lhe são intrínsecos, tais como: angústia perante a morte; desespero perante o futuro; dificuldade de gestão de conflitos; falta de sentido; frustração perante o desejo de felicidade; indecisão perante dilemas. A consultadoria emerge enquanto via dialógica da filosofia prática.

Na tradição filosófica o diálogo inaugura-se com Sócrates e Platão, inquirindo sobre o que é a virtude? Platão associa o Bem ao saber verdadeiro e o mal à ignorância. Aristóteles aborda a virtude, recorrendo à busca da vida boa (felicidade) através da ponderação que supere a carência e o excesso. A atualidade, apesar de hedonista, nem sempre se verifica uma efetiva vivência da felicidade, por causa do império do vazio de sentido que instalamos nas vidas, mais centradas no ter do que no ser. Pelo que urge estabelecer critérios que estabeleçam um projeto de vida que nos consciencialize e mobilize para refletirmos, e nos responsabilizarmos.

A consultadoria recorrerá às perguntas pertinentes que permitam aos indivíduos ultrapassar os problemas existenciais, aparentemente irresolúveis. Quiçá os problemas residam em vícios ou falacias de pensamento. E, o objetivo será pensar bem para viver melhor. Segundo esta terapia cada qual deve potenciar e elabora a sua vida. Sendo necessário estabelecer um diagnóstico através de inquéritos, que permitam avaliar em cada sujeito os recursos e carências. E reaprendendo a escutar a voz do ser. Neste sentido, elaborem-se questionários personalizados, com perguntas diretas e pertinentes, de forma a possibilitarem que se gerem outras decisões, centradas sobre o pensamento mais adequado e coerente em conformidade ao projeto de vida de cada ser humano. Para ulteriormente se auxiliar cada um a refletir coerentemente e a cumprir esse projeto. Enquanto indicadores capazes de superar a crise Jorge H. Dias encontra os seguintes valores: generosidade, esforço, desejos, interesse nas coisas e pessoas, amor. Deve ser a dimensão positiva a guiar a vida: procurando a plenitude; a valorização do arrependimento; a par dos projetos que dão sentido e coerência à vida; qualquer boa história de vida será uma motivação. Se o que está em causa neste projeto é a vida boa, ou felicidade, constatamos o que pensa Jorge H. Dias: “A felicidade é um estado de consciência que avalia o resultado dos projetos ao longo de toda a vida”. O método pretende, na área da filosofia prática, identificar projetos na vida da pessoa; analisar a estrutura de um projeto, relacionando-o com a vida da pessoa (valores e sentido); agrupando projetos e definindo aplicações; reforçar a “filosofia de vida” da pessoa; verificando a sua realidade e importância. Fundamentada na filosofia de Julian Marias, pois uma moral com rigor intelectual tem que “estabelecer o mapa real de cada vida humana”.

Neste contexto, mostrou-se a urgência de refletir sobre a atualidade e a consciência da crise. Decidimos explanar no relatório um projeto que envolva esse tópico na formulação de questões que levem em conta o ensino da Filosofia. Tendo em consideração os problemas levantados no mundo atual, onde a vertente tradicional teórica dos programas podem não resolver cabalmente as necessidades espirituais, culturais e filosóficas presentes, torna-se premente dar resposta à questão: Como tornar necessário o ensino da filosofia, hoje, perante a crise? Desejamos reformar o programa em vigor, a partir deste relatório, criando um capítulo novo, a lecionar em alternância aos “Desafios e horizontes da Filosofia” no final do programa do 11º Ano de Filosofia. E no décimo ano reinserir estas temáticas na unidade dos valores éticos, criando novos tópicos e subtemas nesta área.

Devemos orientar a crítica filosófica para uma das suas funções recorrentes: a reflexão da prática da vida quotidiana (circunstância). Queremos questionar, criticar, apresentar teses e argumentos, que tornem viável a emergência de um pensamento que gere equilíbrios e ideias para os novos tempos. O pensamento filosófico, apesar da universalidade e intemporalidade, emerge num contexto histórico e cultural. Propomos a meditação pessoal que traga o recolhimento num tempo de ruído, caos, e excesso de informação. Perguntando, como adequar a nossa mente a um mundo conturbado? Restaurar o diálogo consigo mesmo e com os outros, centrando o pensamento na relação dialógica da reflexão e da comunicação. A filosofia deve-se adaptar aos novos tempos, tornando-se atuante, continuando o seu trabalho: nas redes sociais, nos blogues, nas plataformas? Se não trair a busca autêntica de reflexão crítica: a filosofia deve realizar-se onde estão as pessoas. O mundo social pode virar as costas à filosofia, mas esta não pode recusar-se a cumprir a sua missão, sobretudo na crise e na adversidade. Em rigor, a filosofia renova-se nos contextos complexos e difíceis.

Recorremos neste contexto à pedagogia social de Paulo Freire, apresentada por Joaquim Melro: defendendo a coerência entre os princípios do agir e do pensar. Enraizando o pensamento na praxis, e pela inevitável compreensão transformadora do mundo social: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Freire propõe o desenvolvimento da consciência crítica, ultrapassando a consciência ingénua, pois se esta nos faz pactuar ou submeter ao poder instituído; aquela tem a função de alerta-nos para a crítica transformadora, em que se deve exercer o pensamento e a pedagogia, de tal modo que evite, “As terríveis consequências do pensamento negativo, por serem percebidas muito tarde”, ou seja, as crises latentes devem ser refletidas criticamente, de forma a serem detetadas e ultrapassadas com soluções mais abrangentes no tempo certo, passando inevitavelmente pelo reconhecimento “amoroso” entre quem ensina e quem aprende, de modo a que este não pretenda reproduzir os modelos do opressor. Neste sentido, o dever do intelectual é tirar do silêncio a voz do outro, nomeadamente dos mais desprotegidos. “Não é na resignação, mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmaremos.” Logo o trabalho pedagógico deve ser libertador. Noutra linha de pensamento, se a crise no mundo implica as mudanças, interroguemos sobre os significados desses novos rumos, assim como, avaliemos as alterações mentais, e dificuldades específicas das crises, que as próprias transformações trazem consigo; abordando noções como crise de valores e criação de novos valores, pois o que está em causa é orientar o ser humano para um modo de vida em alternativa às ideologias de massas. A filosofia deve fornecer ferramentas concetuais e métodos de raciocínio aos nossos jovens, permitindo-lhes serem protagonistas da aprendizagem através da descoberta de questões, ideias e resultados que respondam às suas dificuldades (crises) particulares e globais. Com este fito, voltemos a repor a noção de laboratório do pensamento, onde se forjem recursos intelectuais, culturas e espirituais, os quais para lá de compreenderem as transformações das mentalidades, possam facultar outras perspetivas e horizontes para a atuação presente e futura.

Face as sugestões do presente coloquio, propomos um titulo que adapte os conteúdos aqui refletidos às exigências da docência no ensino secundário: Prática filosófica do cuidado de si em tempo de crise, a qual deve ser uma espécie de terapia existencial, constituído pelos subtemas:
1. Da crise às soluções.
2. Da ética à prática.
3. Da poética ao pensar racional.
4. Vivências teóricas, espirituais, e afetivas.
5. Métodos de pensamento.
6. Técnicas de meditação.
7. As resoluções estoicas: o cuidado de si; o auto domínio.
8. Criação de novos valores, a vontade de poder criativa enquanto abertura ao outro (Nietzsche/Lévinas).
9. A vontade de prazer (Freud).
10. A vontade de sentido (Viktor Frankl, J.H. Dias).
11. Os autores de língua portuguesa e as propostas de retorno do pensamento à consciência critica, comprometida com a vida pessoal e social.

Explanação sucinta dos tópicos:
1. Da Crise às soluções. Diagnóstico do mal-estar civilizacional. O prognóstico da terapia.
2. Do património da história da filosofia acerca das teorias éticas às aplicações nas práticas contemporâneas.
3. Na poética do pensar encontrar a origem do pensamento criativo, onde radica a produção de pensamento racional que gera soluções originais. Ou seja, certa poesia é a matriz do pensamento genuíno que interroga o próprio ser, e logo está por trás da criação escrita; pois, na poesia encontra-se o pulsar da invenção e da novidade.
4. Vivências teóricas, espirituais, e afetivas. Compreender o mundo e o homem para os cuidarmos e transformarmos, a partir do alargamento das figuras do pensamento, e dos modos espirituais de vivências teóricas/práticas/afetivas. Exercitar o pensamento para melhor pensar e viver.
5. Recurso à diversidade de métodos filosóficos: maiêutica; dialético; fenomenológico; hermenêutico; consultadoria; logoterapia; “PEACE”…
6. Exercícios de meditação: regressiva…
7. O estoicismo e os conceitos: ataraxia e auto domínio. Recurso a exercícios de “pensar no pior” em cada caso, e vice-versa, de modo a nos tornarmos resistentes face às adversidades da vida (resiliência).
8. Se o homem não é predefinido, encontra-se em aberto a formação de cada ser; daí a busca de soluções de criar/renovar os valores, tomando a criatividade enquanto ponto de expansão da vontade de poder criativa numa relação de comunhão com o outro.
9. A análise de si a partir de um mergulho nas forças e símbolos do inconsciente pessoal e coletivo, onde a busca do prazer se subordine ao conhecimento do funcionamento humano, que se orienta segundo o princípio da realidade.
10. A vontade de sentido enquanto busca constante do pensamento adequado a cada problema concreto. Nas estratégias da consultadoria e logoterapia o sentido da vida é conquistado: no amor/amizade; na obra criada; na reelaboração do sofrimento.
11. Soluções de autores de língua portugueses (Paulo Feire, Agostinho da Silva, Vergílio Ferreira; Eduardo Lourenço…). Levar em conta bons artigos e obras produzidas no arquipélago editorial das universidades (a partir de atas de congressos).

Este modo de abordar o programa de filosofia deve alicerçar-se numa didática que se apoie em exercícios de escrita criativa, que desenvolvam o conceito poético, ensaístico, hermenêutico que estão na origem do pensamento filosófico autónomo. Bem como na implementação de estratégias ativas que, entre outras metodologias, assimilem o universo das novas tecnologias (TIC).

Dez “regras” para estimular o usufruto do laboratório da mente, ou seja, das aulas de Filosofia. 
1. A criatividade autónoma trabalhada com o exercício do pensamento e da palavra critica.
2. Desfrutar e examinar experiências novas (afetivas/mentais) individuais ou em grupo.
3. Pensar e escrever com o rigor e liberdade com vista a protagonizar a sua felicidade.
4. Convocar sempre a inspiração; o património filosófico, a memória; o trabalho; a cooperação.
5. O pensamento filosófico reflete-se nas artes: literatura, cinema, musica, dança, teatro…
6. Tirar proveito da tentativa, experiência e erro… e da tentativa de correção e superação.
7. Revisitar as memórias pessoais e das obras filosóficas para potenciar a experiência do pensar.
8. Aprender a interpretar e a ler para melhor pensar e escrever o seu projeto de vida.
9. Pensar e comunicar com rigor, tirando prazer de todo o processo criativo, partilhado. 
10. Sonhar... como se a utopia abrisse renovadas portas ao futuro pessoal e coletivo. 

Um modo de operacionalizar estas propostas passa pelo recurso à avaliação fundada na produção de ensaios ou de dissertações, que envolvam mais profundamente os intervenientes na relação pedagógica na busca mais autêntica e personalizada (do conhecimento, cuidado de si, e cuidado do outro, envolvendo a conceção do respetivo projeto de vida).

Carlos Alfredo do Couto Amaral


Relatório apresentado ao CENTRO DE FORMAÇÃO ESCOLAS ANTÓNIO SÉRGIO
sobre o Colóquio “Filosofia, Crise, e Consciência Social” 2016