sexta-feira, 16 de abril de 2010

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Convite Lançamento do meu livro

Convido para o lançamento do meu livro de poesia:
"Desflorar da Flor de Sal", dia 1 de Maio, às 16.30h
na Feira do Livro de Lisboa (Pavilhão Principal), no Parque Eduardo VII.

A poesia vai tomar conta da cidade, e já agora de ti...
aos versos também lhes agradam a Primavera.

A compor a festa:
a Conceição Marques apresenta o livro;
o Ângelo Rodrigues anima;
a Paula Duque canta.
Eu sorriu...

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Capa de O Sereno Fluir das Horas

SERENO FLUIR DAS HORAS

Sereno Fluir das Horas, ainda editado na Colibri, percorreu feiras do livro, tertúlias e declamações; com alegria, suor e exaustão, destacando-se a saudosa Pantónica III, patrocinada pelo teatro Tapafuros – descobrimos potenciais, que a mente no acto da escrita não ousara... “Apareces e contigo o mundo vem beijar-me o olhar”. Se os meios de comunicação não lhe deram relevo, perderam eles por não terem reconhecido uma escrita que é dita um pouco em eco na pátria da língua portuguesa.

Escutemos Jorge Ferro, “Nesta plenitude de múltiplas sensações presenciadas nestes versos, assistimos à invasão do eu, numa descoberta de directrizes do humano, entre o mistério do nada e a possibilidade do ser. Este fluído originário que transporta Carlos Amaral está embutido de contrastes, de centelhas virtuosas e de enigmas que encarnam a existência humana.”

Com efeito, o poeta, “(Des)Norteado”, faz o seu percurso interior na demanda da profunda consciência do eu. É uma viagem na ânsia de fruir a brandura do tempo. Na sua procura, este construtor do cosmos surpreende, a constante mutação do verso no desconcerto semântico na busca do sentido. Assim, ele burila a palavra, na contínua e mística demanda do renovado gesto da criação.

A propósito Conceição Marques mimou-me com palavras belas: “A visão do amor em Carlos Amaral é sempre uma visão primordial e sagrada. Cada reciprocidade amorosa transporta a bênção do princípio do mundo. Como se cada encantamento condensasse em si a beleza, o encanto festivo, a leveza doce e idílica do primeiro gesto de amor.”

COM TERNURA
Terás sempre a inocência no olhar
como quem me quer saborear?

Ao teu lado apetece a eternidade.
Apetece ganhar-te o secreto amor,
abençoando esse modo delicado de ser
como se o desejo em ti fosse beber...

Contigo apetece o espanto do despertar.
Dando-te o céu e a lua,
pois se te olho, a riqueza do mundo
é minha, e muito mais tua!

(DES) NORTEADO
Nas páginas em branco
como areias do deserto
as pegadas da serpente
nas intuições do poeta
contam sinais do vento
até os apagar o tempo.

Mesmo que ninguém me oiça.
Digo! E assim fica dito!

Estou num ponto, sem estrela Polar
e sem Cruzeiro do Sul,
que Oriente a aventura na mente,
se mente mesmo se pensa dizer a verdade!

Há algum atalho que dê o NORTE à bússola
e o chão ao abismo?

segunda-feira, 5 de abril de 2010

A Sombra dos Momentos Felizes

Nasci poeta para o público em 2000 nas Edições Colibri com A Sombra do Momento Feliz. Foi um acontecimento ditoso! Repleto de jogos de sombra e luz, apresentei um livro cheio de intuições, de sentimentos e hesitações – como quem se espanta com o mundo onde foi lançado. Em escalada corajosa, a tentar subir alto, ia dizendo: “Sobe à montanha/ e grita até te desfazeres no eco,/ música será,/ harmonia e paz

No prefácio repleto de esperança, Jorge Ferro Rosa aposta nessa escrita leve como pena:
Rasga-se o céu quando a poesia acontece, ao momento plácido do sentimento, pela evasão dos estados de espírito, a um ritmo efervescente, continuado por uma catadupa de sensações enquanto outras não chegam. (…) Nestas páginas a escrita acontece como a forma possível de salvação do sujeito, a redenção mais óbvia das “Sombras dos Momentos Felizes” e atrás não ficará um residual de nostalgia? O seu coração é o grande reservatório, o lugar da dor, muitas vezes oculta mas real, de sorriso nos lábios. A sensibilidade tem os seus artifícios! É este constante desejo, esta atenuada insatisfação a renovar, a possibilitar novas sensações que faz desta obra um momento poético, único.”

TINTEIROS DE VENTO
Gestos cúbicos à luz da mente
o silêncio pedra da cisterna
cai jóia líquida em tinteiro de vento.

PALAVRAS EM DEVANEIO
O papel poroso é como a mente aberta,
absorve os devaneios das palavras,
onde a sombra dos dias tem o teu nome
e a luz vem marcada de um tom feliz
como os beijos imaginados.

PARTIMOS
Partimos a louça
os ideais e as cadeias.
Partimos cada um para seu lado
pelas sete partidas do mundo...

Onde há harmonia,
um beijo sem adeus,
o abraço sem retenção,
a apreciação sem juízo ?

Tudo quisemos,
ficamos sem nada !

domingo, 4 de abril de 2010

A noite do poeta

Prefácio à obra ALQUIMIAS

Iniciando com um postulado dogmático, afirmamos que, nunca um poeta deveria escrever sobre outro. Já no seguinte, contradiríamos que, ninguém poderá apreciar mais um poeta do que outro. Isto tudo para justificar o embaraço em que nos colocaram com o convite para prefaciar a antologia da obra do Ângelo Rodrigues.

Iniciemos o nosso exame a partir do estilo. Numa escrita versátil ele restaura com graça o Dadaísmo, na conversa da treta e no malabarismo da tanga da psicanálise de sofá, pondo tudo a nu, com o erotismo a saltitar de palavra em palavra numa bateria de flashes mentais.

Diz o nosso poeta que, a “Deolinda foi à missa para redimir alguns pecados e arranjar espaço para outros”(Na tanga e da tanga ). A partir do “amor-alismo” apresenta a libido onírica como a seiva da poesia. Pois, a beleza da palavra traz o gozo e a lama fétida da existência. Assim nos apresenta paradoxalmente o ser humano no seu esplendor e na sua miséria, seguindo aos tropeções o caminho para a transcendência.

Se do caos emerge a ordem do espírito, então há que cuidar das mentes combalidas entre o vórtice do êxtase e da náusea. Na evocação do caos, o Ângelo pretende colocar em movimento o processo ex-purgativo do mal-estar, como se no disparate dito a alma se purificasse, ganhando consciência de um sentido exótico das coisas.
Ou seja, o mundo social reflecte o cosmos mental, desconexo, palavroso, a roçar o deboche. Como se nenhum móbil orientasse a mente, e o mundo já não tivesse amanhã, e o ser caísse no incontornável buraco negro do nada.

Face à crescente contaminação patológica, a terapia virá expurgar o excesso. Por isso, o poeta vai dizendo o que o delicia e o atormenta, e assim goza e liberta a mente. Enquanto, na leitura o espectador também vai sentindo o alívio, descartando paulatinamente o mal-estar com que lhe fizeram engolir a civilização.
Com cuidado, sempre vai afirmando que nos encontramos num mundo em crise de valores, por nos arredarmos cada vez mais da forma poética de habitar o mundo.
No percurso das diferentes modalidades da escrita, o nosso autor, reflecte sobre o ser em estilo aforístico, através de um género de pensamento, que quer dizer muito em paradoxos de poucas palavras.

Posto isto, quem não desenvolve a atitude poética sofre o empalhamento na ociosa normalidade, pois, “A crise também resulta da falta de atitude poética” (Dos Poetas). Para superar o défice, adopta o preceito de ir além do autoconhecimento através da dinâmica do “Excede-te a ti mesmo” (Dos Poetas).

O autor ao reproduzir a contraposição deste mundo material face à metafísica estética constata ironicamente que, “o seu reino não é deste mundo” (in Dos Poetas). Identifica-se mais com o mundo ideal da imaginação, da contradição, da luta, da esperança cega – do sol que nascerá como produto da criação poética.
Para os devidos efeitos, certa Pessoa afirmou que, o poeta é um fingidor, isto é, um dissimulado, “um cão da verdade que finge dormir para não ser posto na rua” (Novas Alquimias).

Franqueemos então com escolta canina o pórtico da escrita alquímica que aparenta ser uma arte sem bússola, sem Deus; como se o demo andasse à solta, revirando os cadinhos das pequenas sujeiras e as confundisse com as boas intenções.
Mas, em paradoxal acto místico, vai caindo na ânsia da transcendência como no vislumbre da visitação do divino à beira das margens da morte, onde o nada se reduz ao absurdo. Tudo parece convencionar um contraditório silogismo existencial:
“Bom é viver”
“Morrer é bom”
“Logo, morrer é viver”.

Estamos convictos que, como freudiano, o Ângelo foi marcado pela pendular oscilação entre o Eros e o Thanatos, isto é, o amor erótico e a morte. Não obstante, não seguirá a posição ortodoxa da vitória do princípio da realidade; ao invés, no nosso poeta triunfa o princípio do prazer. Nesse fim do começo, a morte será o grande orgasmo que liberta o espírito para a dimensão metafísica.

Subindo agora ao palanque das ideias filosóficas, dispara rajadas de palavras veementes. Mas com humor, sensibilidade, ironia (e uns palavrões à mistura), vai arrasando o mundo do falso saber e da mentira que se esqueceu do elementar significado da existência.

Em alternativa, propõe que seja dominante a sexualidade, o desejo, o pensamento livre. Muito embora, o percurso de acesso a essas instâncias não se faça na seriedade da reflexão lógica, mas ao contrário, é restabelecido no jogo, na brincadeira e na alegria indomável de viver.

Na verdade, a filosofia poética do Ângelo quer refazer a unidade perdida, o ovo primordial. Para isso, reconcilia os opostos, colocando Nietzsche a conviver com Platão e Freud a analisar Santo Agostinho. Nesta tendência passa-se do Holismo ao ecletismo, onde tudo é possível, inclusive a coexistência do fundamento intelectual com a dinâmica da emoção.

Entretanto, os filósofos perdem o verniz de santos quedos no nicho do pensamento, e, se necessário transfiguram-se em Arlequim de opereta bufa no argumento de uma comédia saturnal onde as bacantes refazem o cortejo dionisíaco. Face ao exposto, quem disse que a filosofia não era cómica, foi certamente por não entender os seus fundamentos irónicos…

Em súmula, percorrer em corrupio a escrita do Ângelo Rodrigues é uma aventura, onde se comunga com a presença iniciática do ritmo desconcertante das palavras que, descortinam razões secretas, rebuscando riquezas e banalidades escondidas no armário do inconsciente humano.

Carlos Amaral

sábado, 3 de abril de 2010

Exposição pintura de Sérgio Amaral

“Massa é todo aquele que não se valoriza a si mesmo – no bem e no mal –, mas que sente como ‘toda a gente’, e, entretanto não se angustia por razões especiais, mas se sente à vontade ao sentir-se idêntico aos demais.
(…) Há duas categorias de criaturas: as que exigem muito de si e acumulam sobre si mesmas dificuldades e deveres, e as que não exigem nada de especial (…) bóias que vão à deriva”.
Ortega Y Gasset, A Rebelião das Massas.

Ao ser solicitado a integrar a redacção do catálogo da exposição do Sérgio Amaral, proponho efectuar uma reflexão livre em torno do mimetismo e da liderança, que radicam no imperativo: segue-me! Sendo este o título que o artista escolheu como unidade temática da sua presente exposição. Onde apresenta mais de uma centena de obras pictóricas e esculturais – com o propósito de nos sensibilizar à cogitação sobre o fenómeno das massas no comportamento contemporâneo.

É significativo que o mesmo padrão de figuras, apontado pelo autor, seja transfigurado em cada quadro como seres incapazes de se individualizarem. Se, o artista incentiva à reconfiguração da imaginação em diversificados contextos; por outro, quer incomodar-nos com a esgotante réplica das mesmas formas, e assim forçar-nos a pensar.

Sentimos o repto, e assim compelidos torna-se inevitável explora este desafio.
Detectamos, antes de mais, que a imposição “segue-me”, esconde um imperativo para as massas, em oposição ao princípio ético de ousar pensar por ti mesmo (“sê tu mesmo”). O imperativo em análise representa a subordinação a um tipo de projecto de liderança, que exclui a autonomia do pensar e do agir. Estando também contaminado por uma falácia, que apela à ilusão: “Se te falta algo na vida, e se queres alcançar um desígnio, como um mundo melhor, então segue-me”. Nos casos de má fé da liderança, carentes de uma boa consciência, quantas vezes vemos cegos a guiarem outros cegos.

Lembremos o conto infantil onde, numa versão, um tocador de flauta mágica arrastou atrás de si um grupo de crianças que depois manteve cativas. Noutra variante fez-se seguir pela multidão das ratazanas. No fim exterminou-as. Se, neste caso, resolveu com a hipnose colectiva um problema de sanidade pública. Noutro relato, o flautista converte as pessoas que o seguem em ratazanas para depois as empurrar para o abismo.
Na realidade, o ser humano tem exteriorizado nos palcos sociais procedimentos de mimetismo. Segundo a etologia, tal enraizasse no antigo comportamento animal, como nos movimentos dos cardumes de peixes; no voo dos bandos de aves; nas deslocações das alcateias de lobos; nas pragas de gafanhotos… Todos parecem obedecer a um preceito: “imitar para sobreviver, dissimular para vencer”.

O fenómeno do mimetismo elementar funda-se também nos padrões de imitação entre grupos de neurónios. Ou seja, o que um grupo das células cerebrais faz, o outro grupo imita. Reproduzindo esta função, uma criança com alguns dias imita certos gestos dos progenitores – coloquem a língua de fora, e confirmem a reacção do bebé.
No comportamento humano, a socialização leva os indivíduos a imitarem os outros, para se integrarem e assim serem estimados. Revelando duas vertentes, uma positiva conforme promove o desenvolvimento humano, apelando à socialização e ao aperfeiçoamento; e, a outra negativa, por limitar o ser humano, levando à servidão e à inércia.

O imperativo segue-me, ganha ainda um registo pejorativo, se o fenómeno das massas conduz à intolerância e à guerra, como no exemplo radical do nazismo. Ao seguir o líder, quantas vezes se perde o sentido do dever, convertendo em actividade criminosa que viola os direitos do homem, conduzindo o belicismo a sacrifícios não sancionados minimamente por finalidades legítimas. Portanto, a veneração e o receio aos chefes, pode levar os guerreiros a teme-los mais a eles do que ao inimigo e à própria morte. E, assim, seguem cegamente as suas ordens, em muitos casos, por veneração e por medo.

Perguntamos, todavia, se esse fenómeno da má formação recai apenas num escol de degenerados. Na verdade, trata-se de um acontecimento mais frequente e genérico, como ilustra a experiência da caixa psicológica, elaborada por um grupo de cientistas norte-americanos, onde testaram centenas de cidadãos comuns, sob a experiência da voz do comando. Ou seja, instigados por ordens, as pessoas aferidas aplicaram choques eléctricos a outros, sempre que estes respondiam erradamente a um questionário. Se bem que ignorassem que o dito choque fosse uma simulação, contudo, apenas uma minoria dos indivíduos testados, se recusou a obedecer a essa ordem mal dada.

Posto isto, uma grande parte dos seres humanos pode cometer os actos mais bárbaros e indignos, se for compelido pelas ordens de comando, sem tão pouco questionar a legitimidade de tal atrocidade.

Percebamos ainda essa outra voz de comando que sai como oráculo da caixa mágica da TV, e de outros meios de comunicação, que se mal controlados deformam a opinião pública. Neste contexto, quem abdica de um comportamento ético, renunciando ao juízo racional crítico, de alguma forma vende a alma ao diabo, contribuindo para o clima de barbaria irracional.

Embora a liderança siga maioritariamente os seus deveres deontológicos, e, assim promova grandes empreendimentos humanos. Por isso, o mimetismo será positivo, ao imitar legítimos padrões de conduta, por exemplo: a aprendizagem do civismo social; a preservação ambiental; a solidariedade contra os abusos de poder; a mobilização do auxílio a populações de zonas de calamidade. Portanto, nesses casos, se for bem reflectida, devemos incentivar e dar luz verde à ordem: segue-me.

De modo paradoxal, para fazer abalar algumas certezas inquestionáveis, dizia Nietzsche que, apenas sabe genuinamente mandar quem aprendeu a obedecer com correcção. Mas, ao contrário, quando se arruína a actividade crítica, tudo se pode perder, pois rapidamente surge a manipulação. Quem é formado para obedecer, se não é alertado para impedir a obediência ao ‘mal’ se este aparece mascarado de ‘bem’; também cometerá o ‘mal’, se a tal for instigado. Em muitos casos, o limiar entre o ‘bem e o mal’ é uma ténue linha mal demarcada. Despertemos, pois os moralismos irreflectidos rapidamente decaem na defesa de padrões totalitaristas pejados de ódio e de intolerância.

Na actualidade, também certos regimes democráticos nos inquietam, se dominados pela opinião pública, e se esta for forjada através da propaganda, e assim criarem um véu sofisticado de simulacros, onde a mentira e a verdade aparecem indistintas.
De facto, os sinais do tempo mostram que estamos nas mãos da opinião pública, que segue mais o parecer em detrimento do ser. E quando aí se procura o princípio de identidade entre ser e o parecer, não se verifica apenas a reiteração da verdade, mas antes o domínio unanimista, onde emerge a tentativa de anular a diversidade das formas de o ser humano se apresentar enquanto agente criativo.

Portanto, se um modelo de democracia apela à liberdade, e, no entanto, indevidamente torna-se paternalista, aconselhando: “Sê bom rapaz, transforma-te num conformista, anulando a tua identidade em favor do bom nome da mediania.” Então, para além de contraditória, estamos face a uma fraca democracia...

Ao estabelecer-se a médio-cracia, armadilha-se o caminho da busca da própria identidade, devido à imposição de um padrão politicamente correcta sobre o único modo de se ser – assombrando assim o fantasma da unanimidade para mil anos. Portanto, alertamos nós agora: Cuidado Zé-ninguém… que te podem impor o totalitarismo democrático da via única, transformando-te num homem sem qualidades. Sem te incentivarem ao esforço e ao trabalho. Apenas com estes recursos, criteriosamente exercidos, se obtém uma genuína transformação, que gera continuamente o progresso, abrindo novas modalidades ao ser humano para se revelar e valorizar.

Face ao exposto, termino com as palavras do poeta José Régio, respondendo às vozes doces que me dizem, segue-me e “Vem por aqui (…)
Não sei por onde vou,
não sei para onde vou,
só sei que não vou por ai.”

Nesta temática crítica, a arte cumpre integralmente a sua função, pois para lá de encantar também veio desassossegar e despertar. Reconheço, enfim, ao Sérgio Amaral o pretexto que nos deu com esta sua grandiosa exposição artística, para reflectirmos acerca de algumas das colossais inquietações do nosso tempo.

Carlos Alfredo Couto Amaral

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Língua portuguesa e filosofia poética

A POÉTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA COMO IDENTIDADE UNIVERSAL

Convidado para o “encontro de poetas do mundo”, indicaram-me o tema da Identidade e da Universalidade. A partir do qual irei abordar as relações da poesia com a filosofia no mundo da língua portuguesa, desconstruindo alguns mitos nacionais.

O universal representa uma tendência de unificação crescente por aglutinação do múltiplo no UNO. Segundo Sponville, “o universo para o espírito é a única interioridade verdadeira” (1). Reflecte as velhas questões filosóficas, e também a ideia moderna da globalização.

Se a Globalização foi iniciada com a viagem de Vasco da Gama à Índia e com a circum-navegação de Fernão de Magalhães, então, a nossa tarefa deve suportar uma exigência, no mínimo, como a de Álvaro de Campos: “Eu da raça dos descobridores, desprezo o que seja menos que descobrir um mundo” (2).

Do projecto dos descobrimentos ficou na nossa cultura um modo específico de relação com o resto do mundo, assim como a globalidade da língua; e das representações simbólicas patentes na esfera armilar da bandeira nacional.

Os problemas culturais ganham vulto, quando os poetas e os filósofos os enfrentam, como aconteceu com Camões, Fernando Pessoa, Padre António Vieira, Teixeira de Pascoais, Agostinho da Silva, Eduardo Lourenço. Desembarcamos com eles na utópica missão portuguesa através do mundo…

Refere Fernando Pessoa: “A arte é a aspiração do indivíduo a ser universal” (3), quanto ao símbolo da Identidade revela um modo de ser, que se funde numa forma de sentir própria. Podemos dizer que, na nossa história encontramos a chave, para passar da identidade individual ao sentimento universal. Descobrimos um código de comunicação alternativo face ao silêncio entre povos e continentes desconhecidos.

O poeta procura o sentido encantador num mundo por fazer; e, por isso, é livre de o inventar. Pois, ele é o criador imaginativo de mundos. Se Camões, o patrono da pátria, se dá conta de um mundo vasto, onde a diáspora nacional foi ao encontro da própria identidade, tomando o leme do mundo como se todo o mar fosse português.

Fomos o primeiro povo europeu a ter contactos interculturais à escala global. E os poetas e os cronistas acompanharam os actos e registaram nas epopeias – que o diga a Carta de Pêro Vaz de Caminha.

Se o caminho actual é da globalização, há algum tempo atrás, pensavam uns imperialistas na pretensa hegemonia da língua inglesa, quase considerado o novo esperanto universal. Mas a realidade recente revela que a língua mais falada passou a ser o castelhano. E, o companheiro ibérico, o português, continua em crescente vigor na escala planetária. Cuidemos então, sem preconceitos nem inibições, da universalização das obras literárias que brotem na autêntica pátria planetária, a nossa língua.

Mas a poesia e a cultural não podem viver de clichés, por muito belos que sejam, como “a pátria da língua portuguesa” de Pessoa. Na dialéctica das transformações, a identidade constrói-se a cada momento, sem negar a história. Pois se não se pode esquecer o presente, também não se deve obstruir o futuro.

Nesta dinâmica, a identidade torna-se uma construção interminável que o poeta auxilia a inventar. Com originalidade, pode estabelecer-se uma relação dialéctica da poesia com o mundo, que a língua espelha, manobrando como motor de busca da novidade, pois ela atravessa o poeta. Logo, é inevitável que sejam espelhos paralelos, reflectindo infinitamente a imagem de um e do outro.

Estamos convictos, a língua portuguesa representa um mapa mundi, bem vivo, que conserva os elos com as diferentes culturas. Miremos assim a estrutura deste Atlas da comunicação. Nele encontramos do grego ao latim, ao árabe e africano, até ao asiático e ameríndio. Pois a língua portuguesa foi enriquecida, através do encontro de culturas que as camadas sucessivas da história registaram.

A língua é o depositário de um pensamento próprio, onde algo está sempre a pensar. E, o que pensa a nossa língua, antes de mais, são os seus símbolos. Como os casos: das descobertas; da saudade; da busca do paraíso perdido; do quinto império espiritual; do ciclo nostálgico da partida e do retorno; do permanente desejo do que é novo; e, da renovação através do encontro com o desconhecido.

O universal está ainda a caminho. E, perguntamos com Agostinho da Silva, se a pátria está por cumprir no seu verdadeiro desígnio, que corresponderia à unificação das culturas e das nações que falam o português. Não apregoamos a hegemonia no plano político, mas a efectiva melhoria das relações culturais entre os povos da lusofonia. Também Paulo Borges fala de “Uma pátria trans - patriótica, que realize e cumpra a sua superior possibilidade no encaminhamento das consciências individuais para a realização do bem universal” (4).

Pensamos que, a pátria ao confrontar-se com o universal nasce para o mundo, retratado no modo camoniano de dar mundos ao mundo. Alertemos, no entanto, que um perigo da universalidade provém da associação a actos imperialistas de poder e de domínio, gerando o mal-estar, a luta e o inevitável contradomínio.

Se o colonialismo foi uma das faces dos encontros; a descolonização foi outra face inevitável desse processo. Embora, na independência, se estabeleça por vezes o corte na comunicação. É então necessário dar a palavra aos poetas da lusofonia, que cantem o heroísmo da independência, da liberdade, das redescobertas e da respectiva identidade em construção – mas também da reconciliação.

É, por isso que, na poesia em língua portuguesa, no fundo, a pátria comum aos poetas aqui representados, procuramos uma unidade e um tributo. Camões na Ilha dos Amores mostra o paraíso na terra aos heróis das descobertas. Eis o quinto império, o domínio da metafísica sobre a física, paradoxalmente quando as paixões carnais se tornam licenciosas. Sem darem conta, o corpo falava mais alto, iniciando-se o ciclo da miscigenação. Sem preconceitos, identificamos outro traço da nossa universidade, nesta unidade dos povos em torno de um desejo de amor e celebração, que não se ficou apenas em loas sublimes.

Se outros povos escolheram a razão e suas capacidades e restrições enquanto identidade; Portugal achou um modo de comunicação com diferentes gentes, ao eleger como elo a ratio emocional, que a poesia contém – mais eficaz a estabelecer pontes e relações interculturais. Aqui, também Pessoa revela a convicção de “o português ser o único povo cosmopolita nato” (5).

Face ao elevado auto conceito nacional, a crítica de Eduardo Lourenço, antevê no magistral Labirinto da Saudade, que “o abismo persistente entre a nossa realidade e a imagem hipertrofiada com que sempre temos vivido a nossa vida imaginária” (6). Asseverando que, “Poucos países fabricaram de si mesmos uma imagem tão idílica como Portugal” (7). Ou, ao contrário, passa-se ao outro pólo oposto do miserabilismo. Embora na realidade, nas relações internacionais, se não representamos o melhor papel, também não fizemos a pior figura.

Viremos a página, voltando à filosofia, na temática do universal e da identidade, com o pensamento de Hegel. Dialecticamente só há universal a partir da identidade; e por seu lado, a identidade tem que descobrir em si a universalidade. Ou seja, no universal tudo o que é individual deve achar a sua superação e síntese final. Encontramos na poesia uma apetência para gerar soluções no imaginário numa alternativa à vigília da consciência racional, que por vezes só complica, por em vez de abrir portas, criar muros intransponíveis…

Para o mesmo Hegel, o espírito absoluto encontrou na arte em geral, e na poesia em particular, uma superação do mitológico e a realização transcendente de uma etapa do espírito absoluto. O filósofo idealista apregoa, que depois de atingir o zénite com Shakespeare [e Camões] o espírito poético morreu, para dar lugar à filosofia racional, enquanto domínio do espírito lógico e conceptual.

Não certificamos esse óbito, nem acreditamos que o espírito absoluto e universal se realizar sacrificando as identidades individuais. Deve-se antes com a libertação total franquear um nível mais elevado, identificado à relação ética, que reconheça o outro, dando lugar à confraternização na criação artística.

Na poética brota o genuíno grito de liberdade de cada povo e na respectiva nacionalidade, conciliando os indivíduos numa identidade debaixo dos mesmos sentimentos e símbolos. No caso português, o exemplo da esfera armilar na bandeira dá conta do sentido de pátria voltada para o universal.

Pensamos ainda que, na autenticidade e no amor, se originam sorrisos e mundos superiores. Declarava Schiller, a partir da educação estética criaremos um mundo melhor, desenvolvendo a sensibilidade dos povos e limitando os ímpetos cegos da barbárie.

Em contradição, o século XX mostrou que, sociedades intituladas cultas, e com bom gosto artístico, tocaram a marcha fúnebre com o amplificador da metralha, e cantaram salmos nos salões da gasificação do genocídio universal.

Na desconstrução pós-moderna alerta-se que depois do cataclismo de Auschwitz a poesia lírica está definitivamente morta. A partir daí o escritor deve colocar a arte ao serviço da vigilância crítica, em vez de evocar as flores, as abelhas e as divindades fugazes. Posto isso, a poesia passa a ser também feita de tripas. Enquanto, a existência quotidiana passa a transpirar no acto criador, e substitui o amor pela sexualidade; e, o harmonioso pelo panfletário.

O universal passa a considerar o todo que é a existência humana, através do reconhecimento dos actos poéticos com que a vida quotidiana está investida. Sem nos embalarmos no sonho da Bela Adormecida. Mas, ao contrário, devemos beber no cálice de fel, de sangue e de lágrimas.
Recapitulando, entendemos as diversidades que foram ignoradas, pela acção da colonização. Nas vias comunicantes, de ora avante, devemos reconhecer a peculiaridade em cada canto onde se fala o português. Sem deixar de comunicar interculturalmente; e, sem gerar espaços apenas em branco que provoquem a conversa acabada...

Para evitar o defeito, destaquemos os criadores, que desenvolvem a expressão da língua na literatura e na poesia. Construindo, a partir deste encontro de poetas do mundo, um trilho de divulgação, que passe pela publicação de novos talentos, assim como, na organização de outros encontros e congressos. E, sem esquecer, o incentivo das instituições e fundações que venham fomentar tais projectos.

Em súmula, estabelecemos pontes com povos que connosco compartilham a história, e assim ultrapassamos quimeras ideais e medos tenebrosos. Feitas as pazes com o passado; no dobrara do novo cabo da Boa Esperança, exige-se o estabelecimento de relações permanentes com os povos da lusofonia, onde o maior veículo é a arte poética, que nos volta a identificar em torno do mesmo foco que é a língua de Camões.

Carlos Alfredo Couto Amaral


NOTAS:
1. André Comte – SPOVILLE, Dicionário Filosófico, São Paulo, Martins Fontes, 2003, p 610.
2. Fernando PESSOA, Sensacionalismo e outros Ismos, p259.
3. PESSOA, Op. Cit. 180.
4. Paulo BORGES, Uma Visão Armilar do Mundo, Lisboa, Verbo, 2010, p. 218.
5. PESSOA, Op. Cit. 218.
6. Eduardo LOURENÇO, Labirintos da Saudade, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1982, p. 30.
7. LOURENÇO, Op. Cit. p. 79.