segunda-feira, 18 de abril de 2016

Na vertigem do Alpinista


Os músculos tensos
vencem as alturas
o espírito encontra
a dádiva no ar rarefeito
O Alpinista Descendente de Carlos Couto Amaral, trazido a público pelas Edições Colibri, trata estados emocionais experienciados entre píncaros e vales: na Estrela ascende com quatro estações num dia; nos Picos da Europa escala entrincheirado entre ravinas; alcançando nos Alpes a vertigem e a beleza que sacodem o aventureiro. Na viagem pelas montanhas busca a plenitude, as sensações naturais, a serenidade. O Alpinista abandona o frenesim urbano e alcança o que ambiciona: neblinas, córregos de água, plantas exóticas, sons bucólicos, ares rarefeitos, tranquilidade… Renova a ousadia e a entrega nas arriscadas sendas, que aliviam a alma do peso e da saturação. Enfim os sonhos concretizados reforçam a vontade. E, as narrativas poéticas lapidam sensações brutas.
O poeta
é um fragmento das estrelas
é a gota do mar
é palavra emocionada
O Alpinista Descendente faz a apologia de Sísifo feliz, nos atos que trazem ao homem certa grandeza, mesmo que vã, consciente dos esforços na ausência de transcendência. O mesmo é dizer que superamos o absurdo através do esforço e da luta.
Em queda
Sísifo encontra motivos
no intervalo proibido
O Alpinista Descendente, com o despojamento, na ascensão liberta-se do peso; já ao descer integra o pensamento, aligeirando o mundo das fragas vencidas.
Desce
à planície
alegria
sem peso
O poeta concretiza a viagem simbólica… O Alpinista Descendente quer ar puro, a renovação, ampliando horizontes que dilatem a alma:
irei ao começo dos tempos em demanda do segredo
irei ao cume da montanha em demanda da aurora
A cinestesia identifica a dinâmica da aventura na demanda que cruza desejos, ideais, sensações, imagens. No quarto livro poético, Carlos Couto Amaral apostou na depuração estética, na quase ausência de pontuação, e na verticalidade da escrita sob a analogia do percurso escarpado.
Sonha
Ícaro
a furtar
a cera
às abelhas
e a altura
em metamorfose
escuta
atrás
das portas
invisíveis
O alvoroço da escalada liberta adrenalina. Na disputa com o gigante o prazer é proporcional ao esforço. Há um deslize de palavras colhidas na inspiração do acaso. A serra sem um caderno pode tornar-se esmagadora, mas a vontade da montanha exprime-se por meio do poeta, superando opressões e receios.

Sem comentários:

Enviar um comentário